Certa vez haviam me falado que participar da Jornada Mundial da Juventude
seria uma loucura. Só que nossa condição humana e até mesmo de fé dificilmente
acredita de primeira mão naquilo que nos falam. Lembro de uma frase bem
pertinente ao que vou falar dita pelo discípulo São Tomé e que ganhou novos
valores nos provérbios populares: “Só acredito se eu ver!”.
De 16 a 21 de agosto aconteceu em Madri, capital da Espanha, a Jornada
Mundial da Juventude, um encontro convocado pelo nosso Pontífice Bento XVI que
tinha como tema “Enraizados e edificados em Cristo, firmes na Fé” (1 Col 2,7). A
Inspetoria São Domingos Sávio, motivada por três grupos (Ji-Paraná, Manicoré e
Manaus) se preparou aproximadamente durante um ano com catequeses, formações,
retiros e diversos eventos (na busca de recursos) para viver intensamente este
encontro, não só com o Papa, mas com os jovens do mundo todo (mais de dois
milhões, segundo jornais locais).
Nós, peregrinos de Manaus, viajamos rumo a Madri no dia 15 de agosto chegando
ao aeroporto de Barajas às 18h do dia 16 e, logo de “cara” nos deparamos com
jovens de outras nações que chegavam e andavam com toda a euforia de um encontro
com Deus. Não pudemos participar da celebração de abertura na Praça Cibeles,
presidida pelo cardeal arcebispo de Madri. Durante a Jornada, ficamos alojados
em 03 salas de aula no Colégio Maria Auxiliadora das Salesianas. Junto com os
grupos de Ji-Paraná e de Manicoré passamos nossas curtas noites dormindo em
sacos de dormir, vendo o sol se pôr às 21:30h e os banhos coletivos em banheiros
improvisados na quadra esportiva com diversos chuveiros, sem divisória e uma
água extremamente fria quase transformando-se em gelo, a mesma com a qual que
enchíamos nossas garrafas d’água.
No dia 17, participamos da primeira catequese seguida de missa na Paróquia
Sagrado Coração de Jesus com outras nações de língua portuguesa, animada pelo
bispo de Braga (Portugal). Nessa manhã a catequese falava sobre o nosso ser
igreja, na perspectiva juvenil diante das problemáticas atuais e dos inimigos da
juventude que em nossos dias não possui um rosto. Também reforçava a
subjetividade tão influente em nossos discursos, a busca pelo sucesso pessoal
que transforma a nós, jovens, em presas fáceis do isolamento. Precisamos motivar
e dar testemunhos de Jesus aos outros jovens que não encontram referência sem
deixar de ser jovem. À tarde participamos do Encontro Internacional da
Articulação Juvenil Salesiana (AJS), em Atocha, uma escola profissional dos
salesianos. Lá tivemos um momento cultural com apresentações de diversos países
e a vigília com o Reitor-mor dos Salesianos de Dom Bosco, o Pe. Pascual Chàvez,
e com a Madre Geral das Filhas de Maria Auxiliadora, Ir. Ivone. Naquela ocasião,
já escutávamos rumores de um possível contra a presença do Papa na Espanha e a
realização da JMJ em Madri.
No dia 18, nos reunimos na Paróquia de El Salvador que, se diga de passagem,
não estava no roteiro das catequeses, mas devido à superlotação das paróquias
acabou sendo incluída na ultima hora. A paróquia acolheu um grupo enorme de
“brasucas” (peregrinos brasileiros). Recebemos a catequese ministrada pelo bispo
auxiliar do Rio de Janeiro, seguida de uma missa por ele. Neste dia mergulhamos
no tema da jornada. Foi um momento de muita comoção, pois refletimos o que
significa estarmos enraizados em Cristo, como árvore que suporta muitas
tempestades e outros impactos sem sofrer danos devido a uma raiz forte. Outro
aspecto da reflexão foi o de estarmos edificados em Cristo, remetendo a parábola
do homem sensato que construiu sua casa sobre a rocha. Assim também nós devemos
confiar no Evangelho e dar testemunho fiel de nossa experiência com Deus.
No dia 19, fomos à mesma paróquia do dia anterior com a missão de animar o
terço seguido da celebração eucarística. À tarde fomos a Praça Cibeles para
recepcionar o Papa. Infelizmente fomos impedidos de ter acesso ao local de
acolhida porque s esquecemos as credenciais onde estávamos hospedados. De modo
particular, tive mágoa pelo ocorrido, uma vez que meu objetivo não era aquele,
ter que assistir o Papa pelos telões que cercavam a praça toda, contudo em
muitos momentos da vida não entendemos os planos de Deus. Depois de uma volta
pelo entorno da praça voltei para nosso cantinho e vejo a euforia do nosso grupo
parecendo ter encontrado o próprio Dom Bosco, era nada mais nada menos que o
próprio Pe. Pascual Chávez, seu Sucessor, acompanhado do seu Vigário, P Adriano
Bregolin, no meio do nosso grupo numa festiva sessão de fotos. Não vimos o Papa
de perto naquele dia, mas saímos satisfeitos por Deus ter nos confortado com o
encontro amigo e próximo de “Dom Bosco” com o nosso grupo. O fato triste desde
dia foi o protesto anti-Papa que se concentrou na Praça do Sol que era nossa
rota de retorno para casa.
A equipe organizadora avisou a todos para evitar esta rota, mas tínhamos que
voltar. Ao descer para o metrô encontramos peregrinos amedrontados pelo
confronto como movimento anti-Papa jogados pelo chão; os corredores dos metrô
fechados e uma correria louca de peregrinos em busca de corredores abertos. Daí,
medimos a importância de um bom líder, estávamos bem guiados pelo Pe. Chicão que
soube nos acalmar e nos conduzir com toda tranqüilidade para uma área segura. No
dia anterior dois mexicanos foram presos, suspeitos de atentado terrorista na
mesma linha de metro onde nos encontrávamos. Então, imaginem nossa angustia
nesta noite, com bandeiras guardadas, gritos acanhados e preocupados com a nossa
segurança, todavia, alegres pelo encontro de horas antes.
Ainda extasiados pelo encontro do dia anterior, no dia 20 tivemos nosso “Bom
dia” na capela da casa onde estávamos hospedados e tivemos um dia sem
programação pela manhã, pois à tarde voltaríamos a Praça Cibeles para a
celebração da Via-Crúcis. Fomos ao Museu Del Prado, um dos maiores da Europa,
aberto especialmente para a visitação dos peregrinos. Agora, credenciados já
podíamos ir para mais próximo do Papa.
Mais uma vez o grupo não iria devido a superlotação da praça arborizada que
possuía um esquema de segurança semelhante aos dos aeroportos europeus. Ainda
estávamos muito longe do palco, especificamente a sudeste dele, a praça se
encontrava no meio de uma encruzilhada de ruas. Começou então minha inquieta
atrás de um peregrino que estivesse disposto a sofrer comigo para chegar o mais
próximo possível do palco. Finalmente encontrei dois peregrinos corajosos que,
junto comigo não quiseram ver o papa somente através do telão (senão teríamos
ficado no Brasil assistindo pela Canção Nova ou coisa e tal). Pegamos nossa
credencial e a cópia do nosso passaporte para passar pela segurança e começamos
a nos aproximar pouco a pouco do palco, pedindo “excuse me” e “sorry” até sermos
barrados pelos voluntários, mas num vacilo da voluntária simpática conseguimos
nosso objetivo. Pouco depois estávamos em frente ao palco vendo Bento XVI ao
vivo sem a barreira dos pixels dos telões e dos megapixels de nossas câmeras
ultrapassadas. Um momento de muita emoção pelo nosso encontro com o líder maior,
nosso pastor que vivia com toda aquela juventude o percurso de dor e de gloria
do nosso senhor Jesus Cristo através da Via-Crúcis. Assim nos despedíamos da
Praça Cibeles, felizes pela experiência do encontro com o Cristo que nos fala
através do Sumo Pontífice Bento XVI. E para finalizar a noite, quando chegamos
em casa nos deparamos com a presença da Madre Ivone, superiora das FMA que
visitava todas as casas das salesianas que acolhia peregrinos, imediatamente
começamos a sessão de fotos e não faltaram perguntas sobre nossa Amazônia
querida.
Era chegado o dia do encontro com o Papa através da vigília e da Celebração
de encerramento, um viradão que ficaria para sempre guardados nas nossas mentes
e corações. Peregrinação, calor intenso, falta de água, fome, sono, dormidas no
chão de barro batido, desidratação, muita poeira, umidade baixa, gente passando
mal, poucos pontos de atendimento e a melhor, muita, mais muita gente mesmo num
aeroporto militar de Madri chamado “Cuatro Vientos”. Ventos esses que foram
muito raros. Todos estávamos ali com um só objetivo: ouvir as palavras de nosso
bom pastor e receber o envio para ir ao encontro de tantos outros jovens que não
puderam estar presentes na JMJ.
Na manhã do dia 20, todos os jovens da Família Salesiana (aproximadamente 8
mil) se encontraram numa escola na periferia de Madri e juntos caminhamos
aproximadamente duas horas para chegarmos a Cuatro Vientos e, mais uma hora para
encontrar nosso local de permanência, onde devíamos montar nossas barracas e
acampar. O calor era tão intenso que nos faltou água e pique ao ponto de alguns
membros ficarem pelo caminho, desmaiados, desidratados. Abro um paralelo para
falar que essa caminhada nos fez lembrar o caminho de Cristo ao Monte Calvário e
todo sofrimento que agüentou nosso Senhor pelos nossos pecados. Aquilo era um
deserto total, agora ocupado por quase dois milhões de jovens, segundo um jornal
local. Depois de encontrar nosso canto alguns membros da equipe foram atrás dos
que tinham se perdido e dos outros que ficaram para ajudar os que haviam passado
mal. Depois de uma tarde ensolarada (45º) e pouco líquido, os carros de
bombeiros começaram a jogar água nos peregrinos, o que fez parecer a festa de
São Cosme e Damião, quando moradores jogam bombons para os curumins. Nunca tinha
ficado tão contente em me molhar com os poucos respingos de água.
À noite decidi dar uma volta pelo aeroporto e na volta encontrei nosso grupo
iniciando a lectio divina conduzida pelo Pe. Chicão. No momento da lectio onde
devíamos pensar no gesto concreto, só me veio o desejo de me aproximar do Papa e
entregar aos pés do Santíssimo Sacramento a minha Paróquia, todos os movimentos
e os paroquianos que estavam rezando por nos. Ao finalizar a leitura orante me
“embestei” atrás de algum peregrino para viver mais uma loucura: a de chegar o
mais próximo possível do Papa. Saímos nesta missão quase que impossível com a
credencial, andando pelo setor que nos era permitido, em seguida conseguimos
driblar os voluntários até a grade de proteção que separava o povo da área vip
que estava vazia por motivos de segurança. Dali podíamos ver o Pontífice e todos
os cardeais no palco.
Muito emocionado, celebrando com outros jovens a vigília, eu, de modo
particular, com as minhas orações tinha o desejo de chegar mais perto do palco
montado. Até que o Senhor nos revelou que ali não era o nosso lugar. O guarda
recebeu uma chamada pelo rádio e logo em seguida abriu a grade que separava-nos
da área vip, pronunciando aquelas palavras santas: “Entrem, mas em fila!”. Era
Deus falando. Saí “feito um doido” junto com os outros guerreiros, parecendo
“cachorro preso há muito tempo e que acaba de quebrar suas correntes e sai livre
pela rua”, quando de repente um policial me deu um escorão que me fez entrar na
fila. Na verdade, nem senti nada, somente as lágrimas caíndo no rosto, pois o
local que me foi reservado era na primeira fila da área vip. O que me separava
do Papa eram apenas os guardas.
Foi lá que eu tive um encontro pessoal com Deus, na hora em que, do meio do
palco, apareceu Jesus presente na hóstia consagrada num ostensório mais lindo
que já vi. Já havia caído uma tempestade com ventos fortes que me fazia tremer o
corpo todo. Ajoelhei-me e me veio na lembrança todas as “profecias” vindas de
meu pároco de que eu iria sofrer, e todo o sofrimento vivido seria pelos meus
amigos, familiares. Era hora de consagrar meus irmãos que ficaram no Brasil.
Chorei feito condenado pedindo a Deus pelas nossas propostas paroquiais,
objetivo da minha ida a Madri e pelo discernimento de minha vida... Era o meu
encontro com o Ressuscitado. Após a vigília voltei ao acampamento extasiado onde
estava o grupo arrumando a bagunça feita pela chuva torrencial, disposto a
dormir no chão coberto de lona e algumas bandeiras, incluindo a da PJ, uma vez
que eu havia perdido meu saco de dormir.
Cedo já estávamos acordados comendo algumas frutas e sanduíches com sucos do
kit que cada peregrino recebeu na chegada. Depois de recuperar as forças, fomos
nos preparar para a Celebração de encerramento presidida pelo Papa Bento. A
missa teve início às 10 horas da manhã com os gritos eufóricos “Esta és la
juvientud del Papa” dos peregrinos clamando pelo nosso líder maior. “Benedicto”,
(Bento em espanhol) como era chamado pelos jovens nos falou sobre o evangelho do
dia e motivou os jovens a viverem sua missionariedade e a grande necessidade do
encontro com os outros. O momento mais esperado aconteceu quando o Santo Padre
anunciou ao mundo que o Rio de Janeiro seria a sede da próxima JMJ. O local onde
estávamos era o corredor da imprensa que cobria o evento. Então, nós éramos seis
pessoas com a bandeira do Brasil diante de italianos, espanhóis e algumas outras
nações, contudo, acabamos roubando toda a cena. A imprensa local e internacional
nos procuravam feitos loucos, pedindo para que déssemos entrevistas e filmando
nossa euforia... Agora éramos nós, o centro das atenções devido às tantas vezes
que tivemos que arranhar o idioma espanhol. Demos uma entrevista para a Rede
Globo e até gritávamos coletivamente para a imprensa americana: “see you in
Brazil”.
Ufa! Marcou para mim o encontro pessoal que tive com Deus através daqueles
jovens que não estão preocupados onde vão dormir ou tomar banho e se alimentar,
nem com distinção de cor e raça. Nós, peregrinos, criamos uma linguagem
universal que só a Jornada Mundial da Juventude pode proporcionar: a
solidariedade, a partilha e o de se esforçar para compreender o próximo onde
quer que ele se encontre, bastando para isso só você o acolha de braços abertos.
Que as palavras do Papa Bento XVI possam despertar em nós o desejo de mudança e
de transformação desta geração que clama por atenção e zelo, afinal de contas,
está em nossas mãos o futuro da Igreja que tem a missão de mostrar a “grandeza
da vocação divina de todo o ser humano”.
“Continuem firmes na fé, agradeço por terem vindo a esta Jornada Mundial,
repleta de graça e emoção, carregada de dinamismo e esperança. Sim, a festa da
fé que compartilhamos permite-nos olhar em frente com muita confiança na
Providência, que guia a Igreja pelos mares da história; por isso permanece jovem
e cheia de vitalidade, mesmo enfrentando árduas situações. Isto é obra do
Espírito Santo que torna presente Jesus Cristo nos corações de jovens de cada
época e, deste modo, lhe mostra a grandeza da vocação divina de todo o ser
humano” (Bento XVI, discurso de Encerramento da JMJ 2011).